Saiba o que acontece com o cérebro durante a hipnose

Algumas pessoas acreditam que a hipnose é uma estratégia usada por charlatões para iludir plateias, mas alguns cientistas defendem essa técnica e falam que ela pode ser utilizada para tratar a mente de pacientes com distúrbios psicológicos.

Para saber mais sobre essa técnica, um grupo de pesquisadores da Universidade de Stanford resolveu fazer um estudo para saber quais regiões são mais afetadas durante o processo.

Cerca de 545 pessoas se voluntariaram para participar do estudo. Para saber elas eram suscetíveis à hipnose, foi necessário fazer uma seleção. Apenas 36 pessoas que apresentaram altos índices de suscetibilidade foram selecionadas, bem como as 21 que apresentaram os níveis mais baixos.

Os pesquisadores começaram o estudo com a ressonância magnética, escanearam os cérebros de cada participante em três situações: em repouso, durante uma memória e sendo hipnotizados por uma voz designada especialmente para induzir pessoas ao transe.

Um dos fatores percebidos foi enquanto existe um controle de cognição no cérebro, a quebra de ligação entre a auto-consciência e lembrança pode explicar como a hipnose permite que as pessoas ainda continuem conscientes mesmo não tenham controle sobre algumas de suas próprias ações e pensamentos.

O segundo fator importante percebido foi um aumento nas conexões entre o córtex pré-frontal – responsável por planejar comportamentos, tomar decisões e expressar personalidade – e a região do cérebro chamada ínsula – responsável por ajudar a coordenar emoções e processar dores. Isso poderia explicar porque a hipnose permite que as pessoas superem ou ignorem dores no corpo.

Os pesquisadores concluíram que nenhuma parte do cérebro é efetivamente desligada durante a hipnose. Ao invés disso, a conexão de certas áreas é modificada, com separações entre algumas delas e maior integração entre outras. Dessa forma, a pesquisa afirma que o estado de hipnose representa um diferente estado de consciência, e não a falta dela.

Fonte: Ultra Curioso

Hipnose faz garoto romper dieta à base de ketchup após 10 anos

Liam Pierce, um garoto de Gloucester, uma cidade da Inglaterra, finalmente conseguiu interromper uma inimaginável dieta à base de tomate e similares após 10 anos – e graças à hipnose.
Segundo o site Mirror, o pré-adolescente de 14 anos se engasgou com uma ervilha quando era mais novo e desenvolveu um trauma no qual só conseguia consumir produtos à base de tomate. Para se ter ideia, ele chegava a consumir mais de três garrafas de ketchup por semana.
Os pais, desesperados, tentaram recorrer a diversas dietas, mas o filho continuava insistindo em colocar ketchup em todas as refeições que fazia. Ele sofria de algo chamado transtorno alimentar seletivo.
A família, então, decidiu colocá-lo em uma sessão de hipnoterapia. David Kilmurry, profissional da área, fez com que em apenas uma hora ele perdesse o trauma e aceitasse comer outros alimentos sem interferência do molho.
Ainda segundo o site, os pais já haviam testado o serviço de um hipnoterapeuta, mas não havia funcionado. Também se informa que o trauma não foi totalmente superado mas que foi percebida uma grande evolução: “Eu não superei tudo isso ainda, mas estou baixando gradualmente a quantidade de ketchup e a cada semana tenho aumentado o consumo de legumes”.
Ele ainda completou afirmando que segue recorrendo ao ketchup para fazer com que passe a experimentar e gostar de outros alimentos: “Eu não sei o que é, mas é só eu colocar um pouco de ketchup em algo novo que me acalma e me faz comer”.

Hipnose é tratamento de baixo custo a vítimas de queimaduras na Suíça

A hipnose vem sendo cada vez mais usada nos tratamentos médicos, e hospitais da região francesa da Suíça lideram o processo. Na unidade de queimaduras graves do CHUV de Lausanne, ela é usada em base cotidiana. Um estudo demonstrou que a hipnose reduz o tempo que os pacientes passam em terapia intensiva e economiza 19 mil francos suíços por paciente, e o hospital agora deseja expandir essa prática a outros departamentos.

“Se a hipnose fosse um medicamento, já estaria sendo usada em todos os hospitais, mas, porque é uma abordagem, precisa superar barreiras culturais”, diz Pierre-Yves Rodondi, médico do Instituto Universitário de Medicina Social e Preventiva, no CHUV. “Estamos avaliando em que áreas usar a hipnose, e existe muita demanda por isso no hospital”, explica o diretor do centro de medicina suplementar e complementar.

No CHUV, a hipnose não desperta imagens de pessoas reduzidas à condição de zumbis, manipuladas por mágicos de jaleco branco. Nada disso. O pragmatismo superou todos os temores. “Há estudos científicos, infelizmente ignorados por grande parte da comunidade médica, que demonstram a efetividade da hipnose na administração da dor; é uma ferramenta que deveria ser integrada ao tratamento. Funciona para quase todos, mesmo para os céticos”, explica Rodondi.

De fato, de acordo com um estudo científico executado pelo Hospital da Universidade de Lausanne (CHUV), e publicado pela revista científica “Burns”, a hipnose ajuda os pacientes com queimaduras severas a se recuperarem mais rápido e reduz o custo da terapia; reduz a ansiedade, o uso de medicamentos, a necessidade geral de anestésicos e, em média, diminui em cinco dias a passagem dos pacientes pela unidade de terapia intensiva.

Com a economia média de 19 mil francos suíços por paciente, bastaria tratar por hipnose nove vítimas de queimadura ao ano para cobrir o custo de um especialista nesse campo.

TRATAMENTO DE BAIXO CUSTO PARA QUEIMADURAS

O estudo –conduzido com 23 pacientes vítimas de queimaduras severas tratados por hipnose e um grupo de controle de pacientes tratados tradicionalmente– gerou resultados muito positivos. Para o grupo tratado por hipnose, a dor e a ansiedade diminuíram significativamente; o número de sessões psiquiátricas foi reduzido e as doses de opiáceos e sedativos administrados para tratar de intervenções médicas ou cirúrgicas muito dolorosas também foi reduzido.

Os ferimentos se curam mais rápido, como comprovado pela redução no número de enxertos de pele aplicados ao grupo dos “hipnotizados”. “Isso pode se relacionar a um nível de estresse mais baixo, mas essa é apenas a nossa hipótese”, disse Maryse Davadant, enfermeira na unidade de terapia intensiva e pioneira no uso de hipnose pelo CHUV.

“Em média, começamos a primeira sessão alguns dias depois da internação do paciente, quando ele já não está entubado e incapaz de se concentrar. Ensinamos ao paciente como se hipnotizar; essa é uma ferramenta que ele sempre terá, e os efeitos analgésicos perduram mesmo depois da terapia. Temos dois enfermeiros na unidade de terapia intensiva que só fazem hipnose”, explica Davadant.

Quando perguntada sobre as reações dos pacientes, Davadant disse que “oferecemos essa opção a todos os pacientes; alguns já a conhecem, e se interessam. Outros são mais céticos. Mas quase todo mundo escolhe experimentar, e termina satisfeito”. No entanto, nem todos os pacientes de queimaduras podem ser tratados por hipnose, especialmente no caso de pacientes mais idosos, confusos ou sob a influência de drogas.

FUNCIONA COMO MORFINA NO CÉREBRO

Já que os medicamentos estão se tornando cada vez mais tecnológicos, é difícil criar uma aliança terapêutica cujo foco seja o paciente. “A hipnose torna a medicina mais humana. Além disso, as equipes de gestão de hospitais compreenderam os benefícios da hipnose: ela acelera a cura, aumenta a satisfação do paciente, encurta as internações e economiza dinheiro”, diz o psiquiatra Eric Bonvin, especialista em hipnose e professor do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Lausanne.

Ele explica o que acontece no cérebro: “A hipnose ativa as áreas da imaginação. Tudo é visto como se fosse verdade. A imaginação é um aliado poderoso contra o medo e contra a dor. A hipnose tem efeito semelhante ao da morfina, agindo sobre as áreas da percepção de dor e alterando essa percepção, ou mesmo eliminando-a de todo. Há efeitos de ilusão: para uma criança que tem medo de injeções, desenhamos um elefante em sua pele e dizemos que a agulha está picando o animal, e que a criança brincando com aquela imagem nada sentirá; a imaginação desativa o sinal de alerta de dor”. O estudo do processo ajuda a compreender o potencial da hipnose: “Ao alterar o foco, você pode esquecer a dor. Como a vítima de um acidente que ajuda os demais envolvidos, sem sentir a própria dor”, ele diz.

“Quanto mais dor eu sinto, mais medo e ansiedade tenho, o que por sua vez intensifica a dor. É um círculo vicioso que a medicação não consegue romper, enquanto a hipnose é uma boa solução”, conclui Bonvin, também diretor do Hospital Valais, em Sion. “Estamos introduzindo a hipnose”.

A prova de que a hipnose terá papel cada vez mais central na terapia pode ser encontrada no Instituto de Hipnose da Romandia [Suíça Francesa], que treina 40 novos especialistas a cada ano: médicos, psicólogos, dentistas, enfermeiros, parteiros etc. Esses especialistas trabalham em seus próprios campos sem treinamento adicional e são reconhecidos pela Associação Médica Suíça (FMH).

Cérebro muda de acordo como é usado, diz neurocientista

Quando o assunto é neuroplasticidade, não há como deixar de mencionar os estudos pioneiros conduzidos por Michael Merzenich (Michael Merzenich), professor emérito da University of California, San Francisco (UCSF). Desde os anos 1960, quando ainda predominava entre neurocientistas a ideia de que o cérebro seria um órgão estático, pré-moldado sob estrita ordenação genética, Merzenich defende que é possível, ao longo de toda a vida, criar novos circuitos e conexões neuronais em resposta a estímulos e experiências, o que resultaria em mudanças funcionais. As teorias sobre a neuroplasticidade formuladas por Merzenich e outros neurocientistas contemporâneos abriram perspectivas revolucionárias – tanto para crianças com dificuldades de aprendizado como para pessoas com lesão cerebral decorrente de trauma ou de doenças como acidente vascular cerebral (AVC). Nas décadas de 1970 e 1980, por meio de experimentos com animais, Merzenich demonstrou que os circuitos neuronais e as sinapses se modificam rapidamente de acordo com a atividade praticada. Em um dos ensaios, rearranjou os nervos na mão de um macaco e observou que as células do córtex sensorial do animal rapidamente se reorganizaram para criar um novo mapa mental daquele membro. No fim dos anos 1980, Merzenich integrou o grupo da UCSF que desenvolveu o implante coclear. Em 1996, fundou a Scientific Learning Corporation, empresa que desenvolve softwares voltados a aprimorar o aprendizado infantil com base em modelos de plasticidade cerebral. Também foi um dos fundadores, em 2004, e é atualmente cientista chefe na empresa Posit Science, que desenvolve softwares para treinamento cerebral com base nos resultados de suas pesquisas. O programa é conhecido como BrainHQ. Nos últimos anos, Merzenich tem se dedicado a verificar se a prática de exercícios intelectuais pode ajudar a remodelar as funções cerebrais, possibilitando recuperar habilidades perdidas por causa de doenças, lesões ou envelhecimento. Seus estudos já foram publicados em mais de 150 artigos científicos – muitos deles em revistas de grande impacto, como Science e Nature. Ele também recebeu diversos prêmios acadêmicos, como o Russ Prize, o Ipsen Prize e o Zülch Prize. Em 2013, Merzenich publicou o livro Soft-Wired: How the New Science of Brain Plasticity Can Change Your Life, no qual apresenta estratégias para que pessoas comuns possam assumir o controle dos processos de plasticidade cerebral e, assim, melhorar sua qualidade de vida. Merzenich esteve no Brasil no início de abril para apresentar uma palestra no 3rd BRAINN Congress, organizado pelo Instituto de Pesquisa sobre Neurociências e Neurotecnologia (BRAINN), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP e sediado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Na ocasião, concedeu uma entrevista à Agência FAPESP na qual falou sobre como mudanças positivas e negativas podem ser direcionadas no cérebro. Leia os principais trechos a seguir.

Agência FAPESP – Como o senhor define o conceito de neuroplasticidade?

Michael Merzenich – O cérebro foi construído para mudar de acordo com as experiências vivenciadas e a forma como é usado. A esse processo contínuo chamamos de neuroplasticidade. Quando trabalhamos para aprimorar uma habilidade, ocorre uma mudança na “fiação cerebral” (nas sinapses ou conexões neuronais), ou seja, são selecionadas as conexões que dão suporte ao comportamento ou à habilidade que estamos desenvolvendo. Assim como quando exercito meu corpo obtenho uma série de benefícios e altero a regulação de uma série de processos bioquímicos, quando exercito meu cérebro altero todo o seu funcionamento, seu suprimento de sangue e de energia, bem como a força de suas operações. Portanto, não apenas melhoro uma habilidade em si, mas todo o maquinário cerebral. Quando jogo pingue-pongue pela primeira vez, sou muito desajeitado. Após um ano de prática intensa, fico muito habilidoso, consigo ver e acertar a bola com alta acurácia. Por meio de mudanças físicas e químicas incrivelmente complexas, criou-se um cérebro com esse recurso. Nosso cérebro será diferente daqui a uma semana e muito mais diferente ainda daqui a uma década. Pode ser uma mudança para frente ou para trás, ganhando ou perdendo habilidades. Depende do uso.

Agência FAPESP – O treinamento de uma habilidade favorece mudanças positivas, mas como as mudanças negativas são direcionadas?

Merzenich – Fazemos coisas ao longo da vida que degradam nossa habilidade de extrair informações úteis do mundo a nossa volta. Por exemplo: como um humano moderno, passo várias horas por dia olhando para uma tela na qual coisas importantes para mim acontecem. Tudo que está fora daquela tela é desimportante, inútil, uma distração. Estou sistematicamente treinando minha visão, estreitando meu ponto de vista, de modo que somente aquilo que está à frente de meu nariz é importante. Fazendo isso, vou perdendo progressivamente a habilidade de processar a informação visual daquilo que está ao redor. O cidadão médio em meu país, e isso foi bastante estudado por lá, já perdeu em torno de 30% do seu campo visual aos 60 anos e mais de 50% aos 80 anos. As coisas acontecem e ele não vê porque o cérebro rejeita aquele estímulo. Essa é uma das razões pelas quais os idosos sofrem mais acidentes de trânsito. Eles gradualmente vão regredindo a um campo visual mais estreito e, ao mesmo tempo, quando conseguem enxergar algo, respondem a esse estímulo de forma mais lenta.

Agência FAPESP – Mas é possível treinar uma pessoa de modo a fazê-la perder uma habilidade já adquirida, como entender a fala em outro idioma?

Merzenich – Sim. Posso treiná-la usando formas modificadas de som não articulado, que não correspondem à fala. Treino o cérebro a mudar sua capacidade de processamento de sons, de forma que esse perde a capacidade de interpretar os elementos que se modificam rapidamente no fluxo acústico formado pela estrutura fonêmica, a estrutura elementar das palavras. Essa interpretação é necessária para extrair o sentido das palavras. Assim como posso refinar essa habilidade, posso destruí-la. Posso desafiar você a fazer distinções cada vez mais acuradas do que ouve, detalhadamente, em alta velocidade. Posso treiná-la a fazer essa distinção mesmo quando a voz está baixa, ou o discurso está anormal e distorcido. Ou posso fazer o oposto e degradar essa sua habilidade. Dar-lhe um cérebro que opera somente quando as coisas ocorrem morosamente. Fazer com que não consiga mais interpretar os detalhes do som em determinadas frequências. Fizemos experimentos de treinamento não virtuoso com macacos e ratos e mostramos que isso é possível.

Agência FAPESP – Como o envelhecimento influencia as mudanças no funcionamento cerebral?
Merzenich – O cérebro opera de forma muito limitada quando somos crianças e, progressivamente, vai aperfeiçoando seu maquinário de modo a operar com cada vez mais precisão. Os diferentes sistemas vão se tornando mais coordenados em suas ações e isso vai melhorando até o auge da vida – que no humano médio ocorre entre o 20º e o 40º aniversário. Uma alta performance persiste um pouco mais nas mulheres, mas, quando entram na menopausa, ocorre uma rápida deterioração em decorrência das mudanças hormonais e elas alcançam o nível masculino por volta de 60 ou 65 anos. Portanto, temos esse período da vida, de cerca de duas décadas, em que nosso cérebro opera em alta performance e depois deteriora. Se aos 30 anos uma pessoa está operando abaixo da média da performance da população (no auge de seu funcionamento cerebral, atingiu 100% de sua capacidade), aos 60 anos ela pode estar só com 16% de sua capacidade e, aos 80 ou 85 anos, com 10%. Ora, ninguém quer estar aos 85 anos com apenas 10% da capacidade cerebral e o que demonstramos é que essa deterioração é reversível. De maneira simplificada, o cérebro do idoso é mais lento em suas decisões e menos fluente em suas operações do que na juventude porque lida com as informações de forma mais confusa e degradada. Vicissitudes ocorrem ao longo da vida, causam ruído no cérebro e podem acelerar o declínio. Pode ser uma queda de bicicleta e uma pancada na cabeça, uma infecção cerebral ou exposição a toxinas. Mas podemos treinar o cérebro velho e fazê-lo recuperar muitas de suas habilidades. Fizemos estudos com diversas populações e mostramos que é possível reverter esse declínio com treinamento.
Agência FAPESP – Como funciona o treinamento que o senhor desenvolveu?
Agência FAPESP – O programa de treinamento pode ser usado para tratar doenças neuropsiquiátricas, como Alzheimer ou esquizofrenia?
Merzenich – Temos diversos estudos que mostram que portadores de doenças como Alzheimer, esquizofrenia, transtorno bipolar, transtornos de ansiedade ou depressão podem ser beneficiados. Não estou falando de cura, mas de melhorar a qualidade de vida. Mas, pelas leis do meu país, não podemos lidar diretamente com condições médicas. O treinamento, nesse caso, precisa ser intermediado por um médico ou terapeuta. Também temos estudos que mostram benefícios para pessoas com lesão cerebral causada por AVC ou por trauma, pessoas expostas a veneno, infecções cerebrais e estresse. Sempre conseguimos obter uma melhora – em alguns casos bastante significativa e, em outros, mais limitada por causa da magnitude da lesão. Em um dos estudos, aplicamos o treinamento em uma população grande de voluntários que tinham sofrido uma concussão. Após dois meses, o cérebro havia voltado ao normal, enquanto o grupo que não passou pelo treinamento ainda apresentava alterações neurológicas um ano após a lesão. Também já testamos em pessoas sadias que desempenham funções em que a tomada de decisão pode envolver questões de vida e morte, como policiais e soldados. Estatísticas indicam que policiais, de maneira geral, fazem más escolhas em 50% dos casos e isso causa grande impacto em uma cidade. Nossos resultados mostram que com o treinamento é possível melhorar o processo de tomada de decisão. Em uma pesquisa feita em parceria com uma empresa de seguros, treinamos 20 mil motoristas profissionais ou informais, nesse segundo caso, idosos, e reduzimos pela metade o número de acidentes de trânsito. Já treinamos cerca de 600 mil pessoas ao todo.
Agência FAPESP – Assim como acontece com os músculos, o cérebro perde os benefícios adquiridos quando o treinamento é interrompido?
Merzenich – Fizemos quase 30 ensaios clínicos para avaliar a duração do efeito e vimos que há sempre alguma duração significativa, em alguns domínios bem mais do que em outros. Se você treina e muda a forma como o cérebro trabalha a atenção, isso é mais duradouro, pois é uma habilidade usada em muitas situações da vida real. Já quando você treina a habilidade de ouvir, a deterioração é mais rápida. Mas, certamente, se você atinge um nível de alta performance em alguma habilidade, algum tipo de treino de manutenção será necessário para manter o alto nível. Em algumas populações em que o funcionamento do cérebro está mais propenso a se deteriorar, como é o caso de pessoas com pré-Alzheimer (prejuízo cognitivo leve) ou com doença de Huntington, o declínio ocorre mais rapidamente quando o treino é interrompido e logo retornam ao nível que teriam se nunca tivessem treinado. Enquanto estiverem treinando, porém, conseguem se manter relativamente estáveis, mas não sabemos ao certo por quanto tempo. É um grande desafio porque temos que mantê-los engajados e o treino precisa ser intenso, pois todas as habilidades do cérebro estão em risco.
Agência FAPESP – Como evitar que esse conhecimento seja usado de forma errada?
Merzenich – O cérebro pode ser treinado a operar de forma destrutiva e há potenciais formas de abuso. Muitos teriam interesse em manipular a plasticidade cerebral para propósitos egoístas. Então é um desafio para nós pensar como isso pode ser controlado e como ter certeza de que esse conhecimento será usado para o bem-estar humano e não para a destruição. Por exemplo, é possível tirar de casa um garoto de 10 ou 12 anos, um bom estudante, e transformá-lo em um assassino, um monstro. O que ocorre nesse caso é a plasticidade cerebral direcionada para a destruição.
Agência FAPESP – É possível fazer o caminho reverso nesse caso?
Merzenich – É difícil e requer muito treinamento, mas é possível e esse é um dos meus esforços. Tratar crianças com longo histórico de abuso e negligência, condições que danificam o maquinário cerebral que controla o aprendizado. Essas crianças, ao mesmo tempo em que têm o maquinário cerebral de aprendizagem prejudicado, têm acesso a um repertório pobre, que não as prepara para a vida. Claro que acabam malsucedidas. A menos que façamos algo para ajudá-las do ponto de vista neurológico, não há esperança para elas. Mas o que a sociedade em geral faz? Culpa-as pelo seu mau desempenho. Culpamos massivamente as crianças com infâncias terríveis por suas experiências. Isso é estúpido.