Thiago Varella – UOL (16/08/2016)
Quando criança, Ana Karla Nascimento Santa Ana decidiu quer iria ser advogada quando crescesse. A “certeza” veio quando viu o julgamento da personagem Ruth, na novela Mulheres de Areia. Mas, havia um problema. Ao longo da vida, essa capixaba da cidade de Serra, regiãometropolitana de Vitória (ES), ouviu de várias pessoas que “preto e pobre não estudam direito na faculdade.” No entanto, ela conseguiu. Não só se formou em direito como, antes ainda de terminar o curso, passou no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Mas o caminho não foi fácil. De fato a pobreza sempre foi constante na vida de Ana Karla. Filha de pais muito novos, assim que nasceu, ela foi morar em um lixão. Os mais “ricos” do local viviam em casa de madeira, enquanto sua família se contentava com um barraco de lona. Ao longo da infância, se mudou de uma ocupação para outra. Com as mudanças, também trocava de escola e perdia ano letivo. Dos 10 aos 14 anos ficou sem estudar. Voltou na quinta série e conseguiu concluir o que então era chamado de primeiro grau.
“Durante o ensino médio precisei trabalhar. Meus pais se separaram e minha mãe, que era faxineira, cuidava de mim e dos meus dois irmãos. Acabei abandonando a escola no segundo ano”, contou. “Aos 19 anos, casei. E no ano seguinte, separei. Me vi desempregada, sem escolaridade e com depressão, por causa do divórcio”, contou. O sonho de se tornar advogada ficava cada vez mais longe. Ana Karla casou-se de novo, com Sidnei Lima da Silva, e teve seu primeiro filho quando trabalhava em uma loja. No entanto, quando pediu para mudar de horário para poder estudar, recebeu uma resposta que marcou sua vida. “Meu gerente disse que preto e pobre não cursa direito. Como a faculdade não era útil para a loja, ele me demitiu”, contou. Ana Karla foi trabalhar como babá e retomou os estudos no EJA (Ensino de Jovens e Adultos) para, pelo menos, terminar o ensino médio. Em 2010, com a ajuda do marido, decidiu prestar o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). “Ele ficou no terminal de ônibus tomando conta do nosso segundo filho, enquanto fui fazer a prova. Fiz uma pontuação bacana e acabei conseguindo três bolsas pelo Prouni”, disse. “Pensei em cursar pedagogia, já que preto e pobre não fazia direito, mas meu marido me convenceu a ir atrás de meu sonho”, completou. Matriculada e cursando direito na Universidade Estácio de Sá, Ana Karla precisou vender bala no terminal de ônibus e empadinha na praia ao lado do marido para sobreviver. “Colocava uma caixa na sombra de uma castanheira e vendia ali mesmo. Cheguei a estagiar, mas o salário era baixo e valia mais a pena vender minhas coisas na rua”, disse. Hoje, Ana Karla se diz orgulhosa de ter conseguido seu diploma. Mais do que isso, antes de se formar passou no exame da OAB. No começo do mês, teve o esforço reconhecido pelos vereadores de Serra e recebeu a comenda Nelson Mandela. Dentro de casa, a situação ainda não é confortável. Sidnei continua vendendo bala nos ônibus da cidade para manter a família e estudando para também passar no vestibular de direito. Já Ana Karla vai começar a estudar para prestar concurso. O sonho futuro é ser juíza. Por enquanto, vai tentar a defensoria pública. “Agora, eu tenho que estudar e conseguir um emprego. Tanto faz, escritório ou empresa. A porta que se abrir quero aproveitar ao máximo. Vou também tentar ser defensora pública e, no futuro, juíza. Ainda existe muito preconceito e discriminação. Vou trabalhar contra isso”, afirmou.
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